Discurso proferido pelo Presidente da República de Cuba Fidel Castro Ruz, no ato comemorativo pelo 30º aniversário da Missão Militar Cubana em Angola e o 49º aniversário do desembarco do Granma, Dia das FAR, em 2 de dezembro de 2005
Data:
Distintos convidados;
Combatentes internacionalistas;
Companheiras e companheiros:
Completam-se hoje 49 anos da chegada do iate Granma às costas da Pátria. Quer dizer, hoje começa o ano 50 da vida do Exército Rebelde e as Forças Armadas Revolucionárias.
Como é conhecido, após o desembarco e, apesar das primeiras derrotas, a luta estendeu-se rapidamente por cada canto de nossos campos e cidades. Não houve um minuto de trégua até conseguir o impressionante triunfo popular do Primeiro de Janeiro de 1959, em luta até a morte contra os opressores que torturaram e assassinaram a dezenas de milhares de cubanos e saquearam até as últimas reservas monetárias do país.
Mas a grandiosa vitória esteve muito longe de significar o fim dos combates armados.
Em breve a perfídia, exacerbada por cada medida de benefício popular ou que consolidasse a independência nacional, nos fez permanecer com mochilas e botas calçadas; muitos compatriotas tiveram que continuar entregando a vida em defesa da Revolução tanto em Cuba quanto noutras terras do mundo cumprindo sagrados deveres.
Exatamente 19 anos após o desembarque do Granma, em novembro de 1975, um pequeno grupo de cubanos travava em Angola os primeiros combates de uma batalha que se prolongaria por muitos anos.
A história da pilhagem e do saqueio imperialista e neocolonial de Europa na África, com pleno apoio dos Estados Unidos e da NATO, bem como a heróica solidariedade de Cuba com os povos irmãos, não são suficientemente conhecidas, embora fosse apenas como merecido estímulo às centenas de milhar de homens e mulheres que escreveram aquela gloriosa página que para exemplo das presentes e futuras gerações não devemos esquecer jamais. Isso não nega a necessidade de continuar divulgando-a.
Nestes dias também foi abordado o tema com freqüência pela televisão e pelo resto da imprensa, e nos atos em homenagem aos combatentes internacionalistas realizados em todas as províncias do país.
Por tanto, em favor do tempo em momentos de árduo trabalho revolucionário, me limitarei a refletir brevemente sobre alguns momentos essenciais daquela gloriosa página de nossa história revolucionária.
Já em 1961, quando o povo de Argélia travava uma assombrosa luta pela sua independência, um navio cubano levou armas para os heróicos patriotas argelinos e ao seu retorno trazia uma centena de crianças órfãs e feridos de guerra. Dois anos depois, quando Argélia alcançou a independência, esta se viu ameaçada por uma agressão exterior que despojava o martirizado país de importantes recursos naturais. Pela primeira vez tropas cubanas cruzaram o oceano e, sem pedir licença a ninguém, acudiram ao chamado do povo irmão.
Também por aqueles dias, quando o imperialismo arrebatou ao país a metade de seus médicos deixando-nos apenas 3.000, várias dezenas de médicos cubanos foram enviados a Argélia para ajudar o seu povo.
Iniciava-se assim, há 44 anos, o que hoje constitui a mais extraordinária cooperação médica com os povos do Terceiro Mundo que tem conhecido a humanidade.
Nesse quadro começou, a partir de 1965, a nossa cooperação com a luta independentista em Angola e a Guiné Bissau que consistiu fundamentalmente na preparação de quadros, envio de instrutores e ajuda material.
Após a chamada Revolução dos Cravos em Portugal, enfraquecido já pela ruína econômica e o desgaste da guerra, inicio-se o desmembramento do império colonial daquele país.
A Guiné Bissau conseguiu a independência em setembro de 1974; lá, aproximadamente sessenta internacionalistas cubanos, dentre eles uma dezena de médicos, permaneceram junto das guerrilhas dez anos, desde 1964. Moçambique, após dura luta de seu povo sob a direção da FRELIMO e o seu líder, o inesquecível irmão e companheiro Samora Machel, conseguiu a sua definitiva independência em meados de 1975, e em julho desse próprio ano, Cabo Verde e São Tomé alcançaram também esse objetivo.
No caso de Angola, a mais grande e rica das colônias portuguesas, a situação seria muito diferente. O governo dos Estados Unidos pôs em prática um plano encoberto para derrotar os legítimos interesses do povo angolano e implantar um governo fantoche. Ponto chave foi a sua aliança com a África do Sul para compartilhar a instrução e o equipamento das organizações criadas pelo colonialismo português para frustrar a independência de Angola e torná-la praticamente num condomínio do corrupto Mobutu e o fascismo sul-africano, cujas tropas não hesitou em usar para invadir Angola.
Ditadores, terroristas, ladrões e racistas confessos se incluíam constantemente, sem o menor pudor, nas fileiras do chamado “mundo livre”, e poucos anos depois o presidente norte-americano Ronald Reagan os batizou, com incrível cinismo, como “combatentes pela liberdade”.
Em meados de outubro de 1975, enquanto o exército de Zaire e forças mercenárias reforçadas com armamento pesado e assessores militares sul-africanos se aprestavam para lançar novos ataques no norte de Angola e estavam já nas proximidades de Luanda, pelo sul ameaçava o maior perigo. Colunas blindadas sul-africanas penetraram pelo sul do país e avançavam rapidamente na profundidade do território visando a ocupação de Luanda com as forças unidas dos racistas sul-africanos e as tropas mercenárias de Mobutu antes da proclamação da independência em 11 de novembro.
Nessa altura apenas havia em Angola 480 instrutores militares, chegados a esse país semanas antes em resposta à solicitação que nos fez o Presidente do MPLA Agostinho Neto, insigne e prestigioso líder que organizou e dirigiu a luta de seu povo durante muitos anos e contava com o apoio de todos os povos africanos e o reconhecimento do mundo. Simplesmente nos pediu cooperação para treinar os batalhões que fariam parte do exército desse novo Estado independente. Os instrutores tinham apenas armamento ligeiro.
Um pequeno grupo deles, nos primeiros dias de novembro, junto dos seus novos alunos do Centro de Instrução Revolucionária de Benguela enfrentou corajosamente o exército racista. No ataque surpresa e desigual combate dos sul-africanos contra dezenas de jovens angolanos que morreram, oito instrutores cubanos perderam a vida e 7 foram feridos.
Os sul-africanos perderam seis carros blindados e outros meios. Nunca revelaram a cifra das inúmeras baixas sofridas por seus soldados.
Pela primeira vez, nesse afastado ponto da geografia africana, o sangue de cubanos e angolanos uniu-se para adubar a liberdade daquela sofrida terra.
Foi nesse momento quando Cuba, em coordenação com o presidente Neto, decidiu enviar tropas especiais do Ministério do Interior e unidades regulares das FAR prestas para combater, transportadas por ar e mar para enfrentar a agressão do apartheid.
Sem hesitar aceitamos o desafio. Os nossos instrutores não seriam abandonados à sua sorte, e também não o seriam os abnegados combatentes angolanos e muito menos a independência de sua Pátria, após mais de 20 anos de heróica luta. A dez mil quilômetros de distância, tropas cubanas herdeiras do glorioso Exército Rebelde entravam em combate com os exércitos da África do Sul, a maior e mais rica potência nesse continente, e contra o Zaire, o mais rico e bem armado títere da Europa e dos Estados Unidos.
Iniciava-se o que foi chamado de Operação Carlota, nome em chave da mais justa, prolongada, massiva e bem sucedida campanha militar internacionalista de nosso país.
O império não conseguiu os seus objetivos de desmembrar Angola e escamotar sua independência. O impediu a heróica e longa luta dos povos de Angola e Cuba.
Hoje sabemos muito mais que então como pensavam e atuavam as autoridades de Washington pelos documentos oficiais desclassificados nos últimos anos.
Em nenhum momento o Presidente dos Estados Unidos nem seu poderoso secretário de Estado, Henry Kissinger, nem os serviços de inteligência desse país, imaginaram sequer como uma possibilidade a participação de Cuba. Nunca um país do Terceiro Mundo tinha atuado em apoio de outro povo num conflito militar longe de sua vizinhança geográfica.
No fim de novembro, a agressão inimiga foi detida no norte e no sul. Unidades completas de tanques, abundante artilharia terrestre e antiaérea, unidades de infantaria blindada até o nível de brigada, deslocadas por navios da nossa Marinha Mercante, acumulavam-se rapidamente em Angola, onde 36.000 soldados cubanos iniciaram uma fulminante ofensiva. Atacando pelo sul ao inimigo principal, fizeram retroceder o exército racista sul-africano mais de 1.000 quilômetros até seu ponto de partida, a fronteira de Angola e Namíbia, território colonial dos racistas. Em 27 de março o último soldado da África do Sul abandonou o território angolano. Na direção norte, em poucas semanas as tropas regulares de Mobutu e os mercenários foram lançados ao outro lado da fronteira com o Zaire.
Em verdade, Cuba era partidária de exigir à África do Sul um preço forte pela sua aventura: a aplicação da Resolução número 435 das Nações Unidas e a independência de Namíbia.
O governo soviético, pela sua vez, nos pressionava fortemente solicitando a nossa rápida retirada, preocupado pelas possíveis reações ianques.
Após sérias objeções de nossa parte, não tivemos outra alternativa que aceitar, embora fosse apenas em parte, a demanda soviética. Eles, ainda que não fossem consultados sobre a decisão cubana de enviar tropas à República Popular de Angola, decidiram posteriormente fornecer armamentos para a criação do exército angolano e responderam positivamente à determinadas solicitações de recursos da nossa parte ao longo da guerra. Não existia perspectiva possível para Angola sem o apoio político e logístico da URSS depois do triunfo.
Perante a delicada situação criada em abril de 1976, o companheiro Raúl, Ministro das Forças Armadas viajou à Angola para analisar com o presidente Neto a necessidade inevitável de proceder à retirada gradual e progressiva das tropas cubanas que atingiam 36.000 efetivos, em um lapso de três anos, tempo que ambas as partes, Cuba e Angola, achávamos suficiente para formar um forte exército angolano.
Entretanto, manteríamos fortes unidades de combate nas alturas da regiào central, a 250 quilômetros aproximadamente da fronteira com a Namíbia.
Neto compreendeu os nossos argumentos e acedeu nobremente ao programa da retirada das forças cubanas.
Menos de um ano depois, quando em março de 1977 consegui finalmente visitar Angola e felicitar pessoalmente pela vitória aos combatentes angolanos e cubanos, já tinham regressado a Cuba aproximadamente 12.000 internacionalistas, quer dizer, a terceira parte de nossas forças. O plano de retirada cumpria-se até esse instante segundo o previsto. Mas os Estados Unidos e a África do Sul não estavam satisfeitos e, confabulados os governos de Petrória e Washington, solapado este último então, devindo pública a conjura nos anos 80 com o “Compromisso Construtivo” e o “Linkage” de Reagan. A teimosia de ambas as potências, bem como suas penosas e dramáticas conseqüências fizeram com que fosse necessário o nosso apoio direto ao povo de Angola durante mais de 15 anos, apesar do acordado no primeiro cronograma da retirada.
Poucas pessoas acreditaram em que resistiríamos firmemente os ataques dos Estados Unidos e da África do Sul ao longo de tantos anos.
Nessa década cresceu a luta dos povos da Namíbia, o Zimbabwe e a África do Sul contra o colonialismo e o apartheid. Angola tornou-se num sólido bastião desses povos, aos que Cuba ofereceu também todo o seu apoio. O governo da Pretória atuou sempre com perfídia.
Kassinga, Boma, Novo Katengue e Sumbe, são cenários dos crimes do lacaio apartheid contra os povos da Namíbia, Zimbabwe, África do Sul e Angola, e pela sua vez exemplos patentes de nossa solidariedade combativa perante o inimigo comum.
O ataque à cidade de Sumbe é particularmente eloqüente sobre suas criminosas intenções. Ali não havia tropas cubanas nem angolanas, apenas médicos, professores, construtores e outros cooperantes civis que o inimigo tentava seqüestrar, mas esses homens e mulheres resistiram com os seus fuzis milicianos junto dos seus irmãos angolanos até que a chegada dos reforços pôs em fuga aos agressores. Sete cubanos tombaram em desigual confronto.
É apenas um exemplo, dos muitos que poderiam citar-se, do sacrifício e valor de nossos internacionalistas, militares e civis, prontos a entregarem seu sangue e seu suor cada vez que foi preciso, junto dos irmãos angolanos, namibianos, zimbabwenses, sul-africanos; em resumo, de todo o continente, porque poderiam acrescentar-se argelinos, congoleses, guinenses, cabo-verdianos e etíopes.
Foi uma façanha extraordinária de nosso povo, muito especialmente da juventude, das dezenas de milhares de combatentes do Serviço Militar Ativo e da Reserva, que voluntariamente cumpriram com o dever internacionalista junto dos oficiais e outros membros permanentes das FAR.
Somam milhões os homens e mulheres que asseguraram desde Cuba o sucesso de cada missão, substituíram com mais horas de trabalho a quem marchava e esforçaram-se para que nada faltasse à família do combatente ou colaborador civil.
Merecem especial reconhecimento os familiares de nossos internacionalistas. Com singular estoicismo suportaram a ausência, deram ânimo em cada carta e evitaram citar dificuldades e preocupações.
Exemplo cimeiro são as mães, filhos, irmãos e cônjuges de nossos irmãos mortos. Sem exceção estiveram à altura do sacrifício supremo do ser querido. Souberam transformar a sua profunda dor, essa que estremeceu cada canto de Cuba durante a Operação Tributo, em mais amor à Pátria, em maior fidelidade e respeito à causa pela que conscientemente entregou a vida a pessoa amada.
Um povo capaz desta proeza, o que não faria se chegasse o momento de defender a sua própria terra!
Não narrarei hoje – não é o momento adequado- as diferenças de concepções de estratégia e táctica entre cubanos e soviéticos.
Nós formamos a dezenas de milhares de soldados angolanos e assessoramos na instrução e os combates às tropas daquele país. Os soviéticos assessoravam à alta direção militar e forneciam generosamente às Forças Armadas angolanas as armas necessárias. Ações originadas no assessoramento superior deram-nos não poucas dores de cabeça. Não obstante, sempre prevaleceu entre militares cubanos e soviéticos um grande respeito e profundos sentimentos de solidariedade e compreensão.
Como é conhecido, no fim de 1987 produziu-se a última grande invasão sul-africana ao solo angolano, em circunstancias que punham em perigo a própria estabilidade dessa nação.
Nessa data citada a África do Sul e os Estados Unidos lançaram o último e mais ameaçador golpe contra um forte agrupamento de tropas angolanas que avançava por solos de areia em direção a Jamba, no limite sul-oriental da fronteira de Angola, onde se supunha radicava o posto de comando de Savimbi, ofensivas às quais sempre nos opusemos se não se proibia a África do Sul intervir na última hora com sua aviação, sua poderosa artilharia e suas forças blindadas.
Mais uma vez repetiu-se a conhecida história. O inimigo, muito encorajado, avançava depois na profundidade para Cuito Cuanavale, antiga base aérea da NATO, e se aprontava para assestar um golpe mortal contra Angola.
Produziram-se desesperadas chamadas de apoio à Agrupação de Tropas Cubanas, por parte do governo angolano, perante o desastre criado, sem dúvidas o maior de todos em uma operação militar na que, como outras vezes, não tínhamos nenhuma responsabilidade.
Num esforço titânico, apesar do sério perigo de agressão militar que também existia sobre nós, a alta direção política e militar de Cuba decidiu reunir as forças necessárias para assestar um golpe definitivo às forças sul-africanas. A nossa Pátria repetiu novamente a proeza de 1975. Um rio de unidades e meios de combate cruzou rapidamente o Atlântico e desembarcou na costa sul de Angola para atacar pelo sudoeste em direção à Namíbia enquanto, 800 quilômetros para o leste, unidades especiais avançaram para Cuito Cuanavale e ali, em união das tropas angolanas que se retiravam, prepararam uma armadilha mortal às poderosas forças sul-africanas que avançavam em direção àquela grande base aérea.
Nessa ocasião reuniram-se 55 000 soldados cubanos em Angola.
Assim, enquanto em Cuito Cuanavale as tropas sul-africanas eram dizimadas, pelo sudoeste 40.000 soldados cubanos e 30.000 angolanos, apoiados aproximadamente por 600 tanques, centenas de peças de artilharia, 1.000 armas antiaéreas e as audazes unidades de MIG-23 que se apoderaram do domínio aéreo, avançavam para a fronteira da Namíbia, dispostas a varrer literalmente às forças sul-africanas que se aquartelavam naquela direção principal.
São muitas as coisas que poderiam dizer-se de todos os combates e incidências daquela luta.
Aqui estão presentes o companheiro Polo Cintras Frias, chefe audaz da frente sul de Angola naquela altura e numerosos companheiros que participaram naqueles gloriosos e inesquecíveis dias.
As contundentes vitórias em Cuito Cuanavale, e, sobretudo, o avanço fulminante do potente agrupamento de tropas cubanas no sudoeste de Angola, puseram ponto final à agressão militar estrangeira.
O inimigo teve que se tragar sua habitual prepotência e sentar-se à mesa das conversações. As negociações terminaram com os Acordos de Paz para o Sudoeste da África, assinados pela África do Sul, Angola e Cuba na sede da ONU, em dezembro de 1988.
Foram denominadas quatripartidas porque nelas participávamos de um lado da mesa angolanos e cubanos e do outro lado os sul-africanos. Os Estados Unidos ocupavam o terceiro lado da mesa já que se desempenhavam como medianeiros. Realmente, os Estados Unidos eram juízes e parte, eram um aliado do regime do apartheid, correspondia-lhe se sentar junto dos sul-africanos.
O chefe dos negociadores norte-americanos, o vice-secretário de Estado Chester Crocker, durante anos se opôs a que Cuba participasse. Perante a gravidade da situação militar para os agressores sul-africanos, não tiveram mais outra opção que aceitar nossa presença. Num livro de sua autoria sobre esse tema foi realista quando, referindo-se à entrada na sala da reunião dos representantes de Cuba, escreveu: “a negociação estava próxima a mudar para sempre”.
O representante da administração Reagan sabia bem que com Cuba na mesa de negociações não prosperariam a grosseira manobra, a chantagem, a intimidação nem a mentira.
Esta vez não aconteceu o mesmo que em Paris, em 1898, quando norte-americanos e espanhóis negociaram a paz sem que estivesse presente a representação cubana, o Exército Libertador, o governo de Cuba em armas.
Esta vez estariam presentes as Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e a representação legítima do Governo Revolucionário de Cuba, junto ao governo de Angola.
A missão internacionalista foi cumprida cabalmente. Nossos combatentes iniciaram o regresso à pátria orgulhosos, trazendo apenas consigo a amizade do povo angolano, as armas com as que combateram com modéstia e valor a milhares de quilômetros de sua pátria, a satisfação do dever cumprido e os gloriosos restos mortais de nossos irmãos tombados.
Seu aporte foi decisivo na consolidação da independência de Angola e na obtenção da de Namíbia. Também contribuiu significativamente para a libertação do Zimbabwe e para o desaparecimento do odioso regime do apartheid na África do Sul.
Poucas vezes na história, uma guerra, a ação humana mais terrível, devastadora e difícil, esteve acompanhada de um grado to alto de humanismo e de modéstia por parte dos vencedores, apesar da falta quase absoluta desses valores nas fileiras dos finalmente derrotados. A solidez de princípios e a pureza dos propósitos explicam a transparência mais absoluta em cada ação realizada por nossos combatentes internacionalistas.
Sem dúvidas, nisso foi decisiva a tradição semeada por nossos mambises (rebeldes) nas guerras de independência, fortalecida pelos rebeldes e lutadores clandestinos durante a Guerra de Libertação Nacional, e continuada pelos milicianos, pelos membros das FAR e pelo Ministério do Interior perante os inimigos externos e internos depois do triunfo revolucionário.
Aquela extraordinária epopéia jamais foi narrada cabalmente. Coincidindo com seu 30º aniversário, o imperialismo ianque realiza um extraordinário esforço para que o nome de Cuba não apareça, sequer, nos eventos comemorativos. E o cúmulo, tentam reescrever a história: Segundo parece, Cuba jamais teve absolutamente nada a ver com a independência de Angola, da Namíbia nem com a derrota das até essa altura invencíveis forças do exército do apartheid; Cuba nem existe, tudo foi obra da casualidade e da imaginação dos povos. O governo dos Estados Unidos não tem absolutamente nada a ver com as centenas de milhar de angolanos assassinados, milhares de aldeias arrasadas, milhões de minas semeadas em solo angolano, que ainda matam constantemente muitas crianças, mulheres e civis desse país.
Isto constitui um insulto aos povos de Angola, da Namíbia e da África do Sul, que tanto lutaram, e uma grosseira injustiça contra Cuba, o único país não africano que combateu e derramou seu sangue a favor da África e contra o vergonhoso regime do aprtheid.
Atualmente o imperialismo ianque extrai de Angola bilhões de dólares, esbanja seus recursos naturais e esgota suas reservas petroleiras não-renováveis. Cuba cumpriu com o dito pelo insigne líder anticolonialista Amílcar Cabral: “Os combatentes cubanos estão dispostos a sacrificarem suas vidas pela libertação de nossos países, e em troca dessa ajuda a nossa liberdade e ao progresso de nossa população, o único que levaram de nós foram os combatentes que morreram lutando pela liberdade”.
As ridículas pretensões ianques de ignorar o honroso papel de Cuba indignam os povos africanos. Isso se deve, em parte, a que jamais foi escrita a história de todo o acontecido.
Prestigiosos pesquisadores esmeram-se em procurar informação. Cuba, por seu lado, que jamais quis escrever e se resiste a falar do que fez com tanto desinteresse e espírito solidário, está disposta a prestar sua modesta cooperação, abrindo progressivamente seus arquivos e documentos a escritores sérios e prestigiosos que desejem narrar a verdadeira e irrebatível história daqueles acontecimentos (Aplausos).
A façanha de Angola e a luta pela independência da Namíbia e contra o apartheid fascista fortaleceram muito nosso povo. Os incontáveis atos de heroísmo, abnegação e humanismo protagonizados por mais de 300.000 combatentes internacionalistas, e perto de 50.000 colaboradores civis cubanos que de maneira absolutamente voluntária cumpriram missão em Angola, são um tesouro de extraordinário valor.
Essa bela tradição hoje é dignamente continuada por dezenas de milhares de médicos e demais profissionais e trabalhadores da saúde, professores, treinadores esportivos e especialistas dos mais diversos setores, que cumprem o dever solidário muitas vezes em condições tão difíceis como as do combate, como é o caso do já glorioso Contingente “Henry Reeve”.
O nome daquela operação é símbolo e uma homenagem aos milhares de escravos que morreram em combate ou foram executados durante as primeiras insurreições.
Nelas forjaram-se mulheres da estirpe de Carlota, uma negra lucúmi, escrava da usina açucareira Triunvirato, que em 1843 liderou uma das muitas rebeliões contra o terrível estigma da escravidão e morreu no empenho.
Mambises, rebeldes, lutadores clandestinos, combatentes de Girón, da Crise de Outubro e da luta contra bandidos, internacionalistas, milicianos, integrantes das FAR e do Ministério do Interior, em fim, o povo combatente, são fruto do vigoroso tronco que cresceu nesta terra com raízes africanas e espanholas.
À Espanha marcharam centenas de cubanos quando nos anos trinta a República foi atacada pelo fascismo e pela reação, e ali não poucos entregaram sua vida.
Os combatentes cubanos chegaram à África após quatro décadas, com a força da Revolução multiplicada, a defender um povo agredido pelos mesmos inimigos. Ali morreram 2.077 compatriotas.
Sem se sacudir o pó do caminho — com fez Martí perante a estátua de Bolívar —, os integrantes do último contingente internacionalista que regressou à pátria, junto aos principais dirigentes da Revolução, prestamos homenagem, na tumba do Titão (Antonio Maceo) aos tombados em todas as batalhas nas quais participou nosso povo.
Mais uma vez, ratificamos o eterno compromisso com nossos mortos gloriosos de levar à frente a Revolução e ser sempre dignos de seu exemplo; com os cubanos que ontem e hoje souberam combater e morrer com dignidade em defesa da justiça; com os homens e mulheres que como Máximo Gómez, Henry Reeve e o Che, demonstraram-nos, cá em nossa pátria e no decorrer da história, o imenso valor da solidariedade.
As atuais e futuras gerações de cubanos continuaremos avançando apesar da grandeza das dificuldades, lutando sem trégua para que a Revolução sempre seja tão invulnerável no terreno político como já é no terreno militar e o será em breve no econômico.
Enfrentaremos cada vez com maior energia nossas próprias deficiências e erros. Continuaremos lutando. Continuaremos resistindo.
Continuaremos derrotando cada agressão imperialista, as mentiras de sua propaganda e suas traiçoeiras manobras políticas e diplomáticas.
Continuaremos resistindo as conseqüências do bloqueio, que nalgum dia será derrotado pela dignidade dos cubanos, pela solidariedade dos povos, e pela quase absoluta oposição dos governos do mundo — como ficou demonstrado mais uma vez na votação da ONU —, e também pela crescente rejeição do povo norte-americano a essa absurda política que viola flagrantemente seus direitos constitucionais.
Como mesmo os imperialistas e seus lacaios sofreram em Angola as conseqüências de um Girón multiplicado muitas vezes, aquele que chegar a esta terra com a idéia da guerra, se enfrentará a milhares de Quinfangondo, Cabinda, Ebo, Morros de Medunda, Cangambá, Ruacaná, Tchipa, Calueque e Cuito Cuanavale (Aplausos).
Nossos internacionalistas, que nem o resto dos combatentes cubanos, que é o mesmo que dizer o povo todo, estão conscientes de que se houver uma agressão militar derrotaremos o invasor. E vocês, veteranos da história pátria, serão, sem dúvidas, protagonistas decisivos da vitória!
Viva o internacionalismo (Exclamações de: “Viva!”)
Viva a Revolução! (Exclamações de: “Viva!”)
Viva o socialismo! (Exclamações de: “Viva!”)
Até a vitória sempre! (Ovação).